[Seattle] Pontapé

Por Mariana Herrmann Lemos

Sempre achei a arte da escrita uma das coisas mais íntimas, pois vai lá no fundo da essência da pessoa e transcreve os sentimentos mais vívidos que, de alguma maneira, são dignos de serem eternizados devido à passionalidade que carregam. Há quem diga que escrever diariamente traz pra mente o mesmo efeito que uma sessão terapêutica. Talvez.

Eu sou adepta desta arte milenar desde a infância, mas foi em 2007 que eu me juntei ao mundo dos escritores virtuais, sem intenções de público. Eram meus áureos 17 anos, onde tudo era vazio no peito e na vida e eu ansiava pela rápida passagem do tempo. Essa é a minha história. E permitir que outros a conheçam é sempre um misto de incerteza e coragem, mas os tempos mudaram, não há tempo a ser perdido com temores infundados.

Se cada ser humano nesse planeta é dotado de algum dom ou força oculta que o faz especial, o meu dom sem dúvidas é exercitar o ato da solidão como o mais bonito dos ócios, quase um estilo de vida, uma identidade, um culto ao silêncio e às minhas próprias necessidades acima de tudo, onde eu posso o que eu quiser e ninguém sabe ou dá palpite, porque eu sou reserva, titular e árbitro, o campinho é meu… Mas dessa vez eu levei a sério demais…

Meu nome é Mariana e eu nasci e cresci na pequena cidade gaúcha localizada na Serra, Canela. Irmãos, zero. Requisito fundamental no currículo de todo solitário e/ou antissocial (que agora parece que escreve assim, tudo junto mesmo). A história é longa, mas por hora, eu preciso registrar toda a história que me trouxe aos Estados Unidos, e todos os caminhos e as escolhas que me levaram a atingir essa fase, a fase de descobrimento e amadurecimento que todos falam mas quase ninguém vive, aquele momento em que é necessário levar um chute do ninho pra abrir as asas e aprender a voar sozinho, e toda aquela baboseira da jornada do auto conhecimento.

Aos 25 anos, me formei, e 8 dias depois embarquei pros Estados Unidos, com a estadia estimada em 1-2 anos, sem nunca ter morado sozinha, tendo lavado minha própria roupa umas 3 vezes na vida, querendo cozinhar mas não o fazendo por preguiça e achar que uma torrada vai me fazer a pessoa mais saudável do mundo, e Deus, que preguiça, preguiça de viver num mundo que pra mim sempre foi pequeno e que não me dizia que ali era lar, que era casa, mas sim tempestade, com um começo e um fim, eu quis arrancar de mim tudo o que me trouxesse lembranças negativas e queria aliviar o peito, trazer alguma vida, protagonizar as histórias as quais meus netos ansiariam ouvir antes de dormir, pra amar e me permitir ser feliz de uma maneira que nunca existiu antes, pra construir uma vida do zero, seja provisória ou não, tenho tempo pra isso…

Cá estou, na experiência mais enriquecedora da minha curta existência, mesclando a nostalgia, a saudade que vem e aperta o peito e ao mesmo tempo a felicidade por estar vivendo tudo o que não tive medo de enfrentar, num turbilhão diário de emoções e num eterno conflito comigo mesma, tendo apenas meus pensamentos como companhia e vilões diários.

A beleza da escrita é repassar a nossa intimidade de forma que ela alcance todo e qualquer um que se identifique com a dor, com a beleza, com o riso, e todo o necessário pra enfiar tudo na mochila e ir fazer aquela viagem que sempre quis, de largar o pior emprego do mundo pra simplesmente ir torrar as economias naquele roteiro escandinavo fantástico,pra pôr fim naquele relacionamento abusivo que mais destrói do que constrói, mas principalmente pra mostrar pra si mesmo do que se é capaz.

Eu sempre soube que mais cedo ou mais tarde eu ia dizer um adeus e iria de encontro à alguma coisa longe de casa, fosse o que fosse, e quando aqui uso a expressão sempre, é sempre mesmo, desde criança, porque eu era a criança de óculos, cabelo ruim, que não entendia o porquê das coisas serem do jeito que eram e ter a sensação de que as coisas pra mim eram diferentes, que eu não me encaixava socialmente. Ainda tenho a mesma visão, apesar do cabelo ter melhorado, os óculos permanecem.

Eu construí amizades ao longo dessa minha jornada no condado gaúcho, naturalmente, e é por várias delas que hoje escrevo daqui de Seattle. Houve uma tarde em que uma amiga comentou sobre um programa de intercâmbio, nos Estados Unidos, pra vermos uma palestra informativa em Novo Hamburgo e ver se valia a pena. O meu desinteresse pelo meu cotidiano andava tão alto que qualquer atividade longe de casa era negócio. Fomos. Intercâmbio para jovens entre 18-26 anos, e demais requisitos, os quais todos até então cumpridos até que “…200h comprovadas de cuidado infantil.” Epa epa, não temos não, hein. No caso eu, eu não tinha, e aí começou o desenrolar dessa história louca.

Não posso dizer que esperança é uma palavra frequente no meu cotidiano, porque viver de esperanças não leva ninguém a lugar algum, seja o propósito qual seja. Possibilidades existem, mas particularmente sempre achei o realismo um sentimento muito mais honesto, de modo que se não der certo eu já estou preparada, por mais que as chances na maioria dos casos sejam de 50/50, não importa, quem não espera nada nunca de ninguém ou de uma possibilidade, a chance de frustração é infinitamente menor. Otimismo é uma qualidade invejável, a qual não possuo.

Resolvi apostar.

 

TRILHA SONORA DO POST:

“Freedom” – Anthony Hamilton & Elayna Boynton

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